ARTIGOS

O mestre e o discípulo

Mestre Lo e seu discípulo Erasmo Deterra.

A caminho de Iguape

A minha iniciação na arte do Wing Chun, com o mestre Lo Siu Chung, não foi por acaso. Aconteceu no momento certo, com a pessoa certa. Estava escrito na linha do destino, tinha de ser assim. 

Em um dos incontáveis momentos ao lado do mestre, quando íamos para Iguape, experimentei aquilo a que chamamos de Vida Kung Fu. Era 12 de janeiro de 1998. No percurso entre São Paulo e Iguape, eu e o meu mestre conversamos bastante, sobre assuntos diversos. Falamos sobre a paisagem local, sobre o clima, sobre a vida tranquila nas cidades interioranas, a exemplo de Iguape.

No trajeto, eu sempre queria saber mais sobre sua vida, seu aprendizado com seu mestre Wong Wai Chung, como era sua vida na China etc. Entre uma resposta e outra ele, o meu mestre, fazia perguntas sobre a minha vida no interior da Bahia. Era uma troca de experiência, de conhecimentos.

Ali eu vivenciava a Vida Kung Fu. Eu já o conhecia desde 1987, mas aquele momento era impar, singular, diferente. Senti que eu já não era um aluno qualquer, a minha proximidade, nossos laços estavam curtos.

Falamos sobre as ervas medicinais e suas utilidades. Segundo mestre Lo, praticamente todas as plantas existentes na China podem ser encontradas aqui, no Brasil. Não deixei de perguntar sobre a carne de cachorro. O mestre aproveitou e falou também sobre outras carnes, a exemplo da carne de cavalo. O mestre explicou que as carnes de cavalo e de cachorro são energéticas, muito fortes. Esclareceu também que os cachorros usados para abate são criados, tratados para serem comidos, assim como são tratados porcos e outros animais aqui no ocidente. Precisam estar sadios, bem zelados, antes do abate. Com isso pude compreender que tudo é uma questão de cultura, de costume.

Conversamos também sobre armas chinesas, especialmente sobre facões e bastões. Aqui e acolá o mestre interrompia-me e dizia: ‘Você veio aqui para treinar. Mesmo que tenha de fazer outras atividades, treinar em primeiro lugar!’. Já chegando a Iguape, o mestre disse que iria apresentar-me a um amigo seu, sr. Wong.  Sr. Wong é proprietário do restaurante Ton Fon – Vento Leste, em chinês. Chegamos ao restaurante. Após algumas buzinadas, o homem veio nos atender. Após trocas de cumprimentos em chinês, mestre Lo apresentou-me ao seu amigo, dizendo-o que eu era seu aluno, e morava na Bahia. Mestre Lo e seu amigo Wong conversaram bastante, - sempre em chinês. Talvez colocando as novidades em dia. Estavam descontraídos, felizes. Mestre Lo disse-me que falar em chinês, sua língua natural, era mais fácil, permitia-lhes mais naturalidade, expressões certas; além de ser um momento oportuno para não deixarem morrer, ou enferrujar a língua chinesa. 

Chegando a Iguape 

Paramos defronte a casa de praia do mestre. Eu iria ficar ali, sozinho. Entramos. O mestre Lo abriu portas e janelas. Todas as lâmpadas da casa e bocas do fogão foram acesas. Na cozinha, todas as torneiras foram ligadas; a água escorreu por alguns segundos. Depois de observar o ritual, perguntei ao mestre sobre o seu significado. Em resposta, disse-me que servia ‘para renovar o ar, fazer circular a energia, dar vida ao ambiente’.

Após fazer circular a energia por toda a casa, saímos um pouco. Fomos andar pela cidade. O mestre falou sobre os casarões antigos. Vez por outra uma nova planta era-me mostrada, suas ações terapêuticas e modo de uso. Ali eu vivenciava a Vida Kung Fu. Eu já o conhecia desde 1987, mas aquele momento era impar, singular, diferente. Senti que eu já não era um aluno qualquer, a minha proximidade, nossos laços estavam curtos. Acontecia ali o verdadeiro vínculo entre mestre e discípulo. Circulava em mim um sentimento de prazer, de bem-estar. De felicidade. Ao expressar o meu sentimento, o mestre disse-me que ‘para tudo há um momento, um tempo certo, uma pessoa certa’. E foi ali que tudo se comprovou: o meu encontro com mestre Lo Siu Chung não foi por acaso; sem saber, eu havia encontrado o meu mestre, aquele que iria me guiar na arte do Wing Chun Kung Fu. Eu senti isso quando o encontrei pela primeira vez, mas só naquele momento me foi comprovado. O meu encontro com mestre Lo não foi um acaso, estava na linha do destino. Tinha de ser assim.

O discípulo não escolhe o mestre, nem o mestre escolhe o discípulo. O encontro acontece na hora certa, no lugar certo”. - Erasmo Deterra.

A natureza do Chi Sau

Recebendo lições de Chi Sau, do meu mestre Lo

Fuk Sau, Taan Sau, Bong Sau são posições básicas, formas de braço necessárias à prática do CI SAU - ou chi sau, em mandarim - (braços colados, ou pegajosos), exercício para o desenvolvimento da sensibilidade, percepção e concentração mental dentro do estilo WING CHUN. 

Executado a dois, o ci sau ajuda a desenvolver no praticante, estratégias de combate que podem ser testadas em situações diversas. É de suma importância a não utilização da força bruta, intencional. Com isso não quero dizer que não há força. A essa força chamo-na FIRMEZA. A energia (chi, ou hei em cantonese) deve ser direcionada à frente de forma que haja fluidez, transição de um movimento a outro. Ombros, braços, antebraços devem estar sempre relaxados, soltos, porém firmes. 

Buscando brechas 

Durante a transição de uma manobra a outra devemos observar, sentir as possíveis falhas do outro e, uma vez detectadas atacamos. Esse ataque geralmente não é pré-determinado, deve ser sim, um disparo natural proveniente do direcionamento da energia vital. Explico: Imagine essa energia como sendo uma torrente de água, um forte riacho. Ela não se prende, não tem vontade própria, e assim sendo, escorrega, desliza e penetra aonde tiver buraco, brecha. As referidas brechas são as possíveis falhas do oponente. Durante o percurso do CHI (riacho) vários empecilhos são encontrados. Tais empecilhos são as defesas, barreiras e contra ataques executadas pelo adversário. A água, quando impedida, impossibilitada de seguir seu curso mantém pressão firme, sempre para frente. Assim deve ser os braços do praticante de wing chun. Quando a ponte (braços do oponente) apresenta uma falha num outro lugar, toda a energia proveniente do Grande Riacho flui agressivamente para lá. Assim devem ser os ataques em forma de socos, tapas, ataques com palmas, cotovelos etc.

A prática do Ci Sau não deve ser mecânica. WING CHUN é um estilo vivo. Portanto, o praticante não deve nunca se prender a nada. Muito menos à forma. A forma correta é consequência, evolução da prática dos princípios do estilo. Sem a forma não haverá princípios, sem princípios não haverá estratégias. Sem estratégias o WING CHUN seria igual a qualquer outro estilo marcial. Aprendemos a forma. Depois a esquecemos, sem nos esquecermos.

Relaxe, flua!

Complicado, não é? Nem tanto.

A prática do Ci Sau é uma constante busca pelas falhas do outro. Com a observação das falhas aprendemos a nos guardar, a manter a nossa linha central protegida. Não fique ansioso em atacar o seu oponente. A ansiedade é ruim. Não espere por nada. Responda quando for perguntado, ataque quando surgir uma brecha, um erro. Relaxe os ombros. A contração muscular somente irá retardar suas respostas, suas ações. Além de provocar travamento no disparo de uma técnica. 

Lembre-se: ci sau - ou chi sau - não é a mecanicidade do movimento. É a expressão da essência do WING CHUN KUNG FU. 

Pratique constantemente. Um dia ela (a essência) virá, será experimentada, sentida. 

Por Erasmo Deterra.

A energia sexual no Kung Fu

A cultura chinesa, exótica por natureza, esconde curiosidades ainda guardadas por muitos mestres taoistas e budistas. Muitos deles responsáveis pela transmissão da essência de uma das mais antigas artes de combate, popularmente conhecida pelo nome kung fu. 

A arte do kung fu, que pode, dentre outros, significartrabalho duroaquele que transforma seu trabalho em arte, é alicerçada por princípios curiosos e intrigantes aos olhos de muitos povos. Visto apenas pelo aspecto físico e marcial pela maioria dos brasileiros, a prática do kung fu esconde na repetição constante de cada movimento princípios didáticos não sustentados pela cultura ocidental. Enquanto o ocidente visa a lapidação da força puramente muscular, os mestres chineses direcionam seus alunos pelo caminho do meio, buscando o equilíbrio do homem com o universo. Os resultados obtidos pelos adeptos da arte marcial chinesa se devem à prática de pequenos hábitos capazes de gerar grandes feitos. 

Dentre esses hábitos, podemos citar a não ingestão de água ou outros líquidos durante ou alguns minutos depois da prática dos vários exercícios chineses, costume ignorado pelos praticantes de musculação e ginásticas comuns. Para o ocidente, que visa a força externa, muscular, o ato de ingerir água durante as aulas é essencial. Já para os mestres chineses, que buscam o equilíbrio energético, harmonização do chi (hei, no dialeto cantonese), ingerir líquidos desandaria todo o processo de canalização da energia vital. Permite-se a ingestão de líquidos na forma de chás, sem açúcar e numa temperatura equivalente ao calor do corpo. Caso não tenha chá, melhor não tomar água ou sucos energéticos durante a prática. É necessário aguardar alguns minutos para só então ingerir tais líquidos.

Outro costume intrigante para o ocidental é quanto à pratica sexual. Atrapalha ou não o desempenho do atleta? O ato é importante antes, ou depois? Para os antigos mestres chineses, o ato sexual deve ser equilibrado, assim como tudo na vida. A Constância depende do ritmo de vida de cada praticante, da sua alimentação, das atividades diárias etc. 

Para os chineses, o sêmen (zing – energia sexual, esperma, essência) é a essência da vida, é um líquido valioso que não deve ser derramado ou desperdiçado à toa. Como uma pérola líquida, deve ser usado em momentos especiais. A expulsão do sêmen carrega consigo grande parte da energia masculina, responsável pela vitalidade e pelo brilho dos olhos. A perda dessa energia reflete seriamente no desempenho marcial do praticante de kung fu. Os antigos mestres acreditam que na hora do ato sexual o homem se torna vulnerável tanto no aspecto físico como no psíquico-espiritual. Conta o mestre Lo Siu Chung que os mestres antigos só voltavam às práticas do kung fu depois de decorridos dois dias do ato sexual, e que após qualquer prática de kung fu esperavam pelo menos 1 hora para praticarem sexo. 

Contam alguns que a interrupção do coito (não ejacular) era praticado pelos mestres taoistas com o intuito de manter a energia no baixo ventre. Essa energia é responsável pelos grandes feitos produzidos pela prática constante do Qi Gong (Chi Kung), método amplamente usado na prevenção e cura de muitas doenças. 

Por Erasmo Deterra.

Wing Chun - princípios e teorias

Linha do Meio

Ocupar e proteger a própria linha do meio – ou linha central - e atacar a linha do meio do inimigo. Significa atacar em linha reta, seguindo o princípio que diz que: "A menor distância entre dois pontos é uma linha reta". Assim sendo, o lutador deve ocupar a linha do meio a fim de impedir ataques, enquanto busca brechas no campo adversário.

O estudo se dá por meio da chamada linha do meio, que nada mais é que uma linha imaginária traçada entre você e seu adversário, estando ele de frente (ângulo frontal) ou de lado. 

Imobilidade do Cotovelo

Os cotovelos devem estar próximos ao corpo, distantes no mínimo um a medida de um punho, e máximo uma chave. Não é bom abrir demais quando na execução de paak sau, taan sal etc.; mover somente o suficiente para defender seu corpo. Nem mais, nem menos. O cotovelo deve manter-se como num eixo: fixo, mas maleável. 

Ângulo Frontal

Em Wing Chun, aconselha-se a encarar a situação de frente, sem rodeios, sem delongas. Seja num combate físico, ou numa situação do cotidiano. Ser como a cobra que encara sua presa de frente.
Sem a teoria do ângulo frontal, todas as outras teorias (linha central, soco reto, cotovelo imóvel etc.) não se sustentariam. 

Jat Zi Zung Ceoi – O soco clássico do Wing Chun

Bater com o punho no meio, na forma do caractere do Sol. O punho é mantido na vertical, o impacto é com as juntas dos dedos médio, anelar e mínimo. É um soco estruturalmente ósseo – não muscular –, e é apoiado pelo sistema esquelético e do cotovelo, que é mantido alinhado: nem para dentro, nem para fora. Aí temos a aplicação dos princípios da física no Wing Chun Kung Fu.

Graças aos punhos na forma do caractere do Sol é possível ao praticante executar socos sequenciais alternados, denominados Lin Waan Kuen (socos ou punhos conectados, interligados e circundantes). 

Simultaneidade

Wing Chun é estratégia marcial. Não se gasta tempo nem energia desnecessariamente. Costumo dizer que, em Wing Chun, não existe defesa nem ataque. Existe somente o movimento estratégico ofensivo/defensivo, ou defensivo/ofensivo. Estou dizendo que quando atacamos, estamos simultaneamente nos defendendo, impedindo, dificultando a ação do inimigo.

Assim também é quando executamos um movimento de defesa - aos olhos de quem está de fora. A defesa é executada de modo que machuque, agrida o adversário, usando um membro (braço, perna) para defesa, e outro para ataque de modo simultâneo. Mas podemos defender e atacar – machucar – simultaneamente com o mesmo membro – braço ou perna -, como o que acontece quando usamos o princípio da cunha: interceptar e atacar com o mesmo braço, ou perna. 

Economia de Energia

Simplicidade. Wing Chun é assim, simples. É sim, e não. Para que dar voltas, se existem caminhos retos? Para que movimentos floreados, espalhafatosos se com um simples movimentos resolve-se a situação? Em Wing Chun, todos os movimentos devem ser executados de modo a economizar energia – espaço, tempo e movimento.

A maioria dos estilos de luta defende, e ataca. Nem precisa estudar filosofia, nem ‘queimar’ neurônios para concluir que se gasta mais tempo e energia. Um praticante, treinando outro estilo – que faz uso de defesa, depois de ataque -, até pode com muito treino e dedicação superar essas desvantagens, ser muito rápido em seu estilo. Mas para isso, ele gastará muito mais tempo e energia.

Com menos tempo e menos esforço (economia de energia), ele se tornaria eficiente praticando uma arte marcial que faça uso de princípios que sustentam estilos como o Wing Chun.   

Quatro Áreas de Defesa

A mão da frente atua nas áreas externa - Superior e Inferior;
A mão de trás atua nas áreas interna - Superior e Inferior. 

Chutes Baixos e Médios

Chutes baixos e médios são mais fáceis de serem utilizados, e mais difíceis de serem defendidos. Nos chutes altos se gasta mais energia – espaço, tempo e movimento.

No ímpeto de um combate, na maioria das vezes um atira-se para cima – encurta a distância – do outro, tornando menos propício o uso de chutes altos. Assim, o uso de armas curtas em joelhadas, pisadas, rasteiras, cotoveladas, socos, agarres, além do uso de ombradas e cabeçadas são, na maioria das vezes, mais viáveis.

Mas isso não significa que um praticante de Wing Chun nunca faça uso de um chute mais alto, além da linha da cintura. Tudo é relativo, depende do momento e da situação. Wing Chun não é um estilo morto: é vivo, adaptável, dinâmico. Mas é preciso cautela. Os chutes altos ser usados, mas numa menor incidência.

Nos chutes baixos e médios – que menos expõem o lutador -, os alvos são bexiga, testículos, coxas, joelhos, canelas, panturrilhas etc. Quando no uso de defesas para chutes, um dos provérbios diz: “Da cintura para baixo resolva com as pernas, da cintura para cima resolva com as mãos”.

Mas não é só isso. Em muitas situações é mais viável desestruturar, quebrar a base do chute. Ou seja, atacar a perna de apoio, ou atacar o centro de gravidade do adversário. 

Quatro Atitudes

Se o caminho está livre, siga adiante;
Se o caminho está ocupado, mantenha-se colado;
Se o adversário faz força, deixe-o passar;
Se o adversário recua, siga-o e mantenha-se colado. 

Posicionamento Correto

Base correta – obedecendo as medidas e distribuição de peso;
Movimento correto dos braços - ângulo, transição;
Descontração dos ombros;
Cabeça alinhada – ver em todas as direções; 
Respiração natural;
Olhos e ouvidos alertas. 

Unidade Corporal

Em Wing Chun o corpo se move como uma só peça, como uma unidade. Não deve ser separado em cabeça, tronco e membro. A ação deve combinar ataque/defesa e deslocamento. 

Yin Yang

Yin Yang são conceitos da filosofia chinesa, e mostram a dualidade de tudo o que existe no universo. Descreve as duas forças opostas complementais. São energias opostas que se complementam formando o Tai Chi, símbolo composto por duas partes, uma representando Yin, e a outra representando Yang. No símbolo, é possível notar que Yin está em Yang, assim como Yang está em Yin. Yin não existe sem Yang, assim como Yang não existe sem Yin.

Wing Chun é alicerçado pelos princípios Yin Yang. Tudo muda, e assim o praticante de Wing Chun deve ser: mutável. Não é propício repetir ataques na mesma região. A ação deve ser contínua e variada, não esperada. É propício buscar as áreas de baixo, de cima, da direita, da esquerda, de dentro, de fora – de porte das Oito Armas (dois pés, dois joelhos, dois punhos, dois cotovelos).

Num combate, outras várias possibilidades de uso dos referidos princípios são essenciais: não fazer resistência; usar a força adversária a seu favor etc. “Se o seu ataque for bloqueado, não tente completar o golpe. Busque outro caminho”. 

Estratégias

O praticante de Wing Chun é estrategista, forjador de oportunidades. As ciladas são forjadas a fim de confundir momentaneamente o adversário, tanto no campo físico, quanto no campo mental – psíquico.

Quando o seu adversário lançar um ataque, mova-se – atacando – mais rápido que ele; não permita a ele completar a ação antes iniciada. Um chute na linha da cintura, ou na base de apoio do seu adversário anula toda a ação agressora. Aí está um dos vários exemplos de estratégia. “Quando você se move, eu o faço mais rápido”, diz um dos provérbios do Wing Chun.

Num confronto com dois ou mais agressores, atacar o – aparentemente - mais forte, ou o mais próximo, ou o mais distante de você pode causar confusão nas mentes dos indivíduos.

Mantenha-se tranquilo, sua respiração deve ser natural. A descontração do corpo é fundamental. Não demonstre medo. 
Não esperar nada, para absorver tudo.

Permitindo o fluxo da Energia Vital      

QI – HEI, em cantonês – é o que os chineses denominam de energia vital, fluído vital, sopro. É a energia que nos mantém vivos. Quando essa energia é interrompida, ou flui com dificuldade, adoecemos, ou morremos.

Tensões, sentimentos diversos, posturas ruins causam desordem no fluxo do QI (ou CHI, como é comumente conhecida), prejudicam a circulação. Por onde circula sangue, circula Chi. Se o Chi é interrompido, sobrevém a morte.

Portanto, é fundamental manter-se calmo, postura alinhada, respiração natural e constante, descontração muscular (ombros e outras partes do corpo) a fim de permitir a correta fluidez de chi.

Força Correta – não use Força Bruta

Fazer força, ou não fazer força
Antes, é preciso relaxar. O iniciante não deve fazer força.

É fundamental a descontração, o relaxamento de músculos e tendões. A verdadeira força – força trabalhada, lapidada – vem da suavidade.

A sensibilidade é necessária para o desenvolvimento da Força Correta.

A força correta acontece com a soma de uma série de princípios. Antes, é imprescindível uma boa estrutura, base, observando sempre as medidas, distribuição de peso etc. Depois vêm outros pontos já mencionados aqui, como: posicionamento correto dos braços, descontração dos ombros, cabeça alinhada, respiração natural, olhos e ouvidos alertas.

Com o uso dos princípios acima, fica fácil distinguir força bruta, da força correta, trabalhada. Numa explosão rápida, firme e solta como numa chicotada vê-se a diferença entre dureza e firmeza. Na minha - ainda pequena - visão sobre Wing Chun, costumo dizer que “Nosso corpo assemelha-se a uma bomba: solta, maleável, solta antes e depois da explosão. Somente no momento em que toca o alvo ela mostra toda sua potência, poder de destruição. Assim devemos ser em Wing Chun”.

Em resumo, usa-se força, sim! Mas não deve ser aquela força habitual, bruta. Deve ser uma força trabalhada, polida. E essa força é adquirida com o tempo, aliada à prática constante.

Momento Certo

O ‘time’, tempo certo para agir é decidido pela capacidade de sentir do corpo (braços, pernas etc.). A percepção não vem por meio da visão, e sim, do contato – principalmente por meio dos braços – que aumenta a probabilidade de acertos. 

Quatro Distâncias

Longa - Chutes; 
Média – Socos, chutes curtos, rasteiras, pisadas; 
Curta – Joelhadas, rasteiras, pisadas, cotoveladas, ombradas, cabeçadas, mordidas, agarres;
Chão - Todas as técnicas possíveis no chão. 

As técnicas do Wing Chun não terão eficácia alguma se não empregadas com conhecimento. E para isso, é necessário que o praticante tenha noção de tempo, e de distância. Não adianta lançar um soco, se a situação pedia um chute etc.

E é somente por meio da prática com parceiros, repetições e ajustes constantes que se é possível agir eficazmente montada numa estrutura correta capaz de trazer resultados positivos numa situação de combate real.

Por Erasmo Deterra.

Vida e Kung Fu

“O universo das artes marciais e da família kung fu é um dos meios mais fascinantes e realizadores de se viver”

Poderíamos resumir a vida dos seres humanos em cinco fases: nascimento, crescimento, reprodução, envelhecimento e morte. Durante este período, brincamos de carro ou boneca, estudamos e/ou trabalhamos, fazemos amizades, temos relacionamentos amorosos, nascemos descendentes, a vida muda, o trabalho aumenta, a idade chega e com ela todos os desgastes, as dores e as boas recordações.

Então eu te pergunto: valeu a pena? Você fez o que deveria ter feito? Será que existia uma forma melhor de fazer as coisas, mas por algum motivo não foram feitas, ou não foram bem executadas.

Nunca saberemos o dia em que vamos partir deste mundo, o que nos resta é fazer valer a pena, sorrir, trabalhar, adquirir novos conhecimentos, aplicá-los e transmiti-los. Muitas pessoas têm como seu Norte a religião, já outros são ateus, há quem siga os caminhos da sua família tradicional. Outros buscam algum tipo de arte ou esporte. Mas existem também aqueles que buscam a arte marcial, formam novas amizades e estas se tornam uma segunda família. Mas então, quem está certo? Acredito que a verdade é que todos estão certos, desde que seja extraída a porção boa disso tudo.

Na escola de arte marcial, aprendemos movimentos corporais, “socos, chutes, defesas...”. Todos trabalhados artisticamente, mas com o principal objetivo de ser realmente efetivo, caso seja necessário usá-los. Com o passar do tempo e com um treino dedicado, com afinco e assiduidade, esses movimentos passam a ficar automatizados no sistema neuromuscular, e serão aplicados sem que realmente seja necessário pensar sobre ele. A combinação da frequência nas aulas, da participação [vivência], do esforço físico, do pensamento, raciocínio lógico, da consciência corporal, entre outros, poderão desenvolver no praticante a autoconfiança, a disciplina, o respeito, a educação e a honra (para citar alguns dos benefícios, que servirão como “equipamentos técnicos, ou ferramentas” do seu próprio ser, que será levada ao trabalho, a escola e utilizadas para resolver todos os tipos de problemas).

Estudar Wing Chun Kung Fu é aprender a lutar, aprender uma filosofia, um estilo de vida e aprender uma arte. Não é só um estilo de arte marcial. Wing Chun Kung Fu está muito além de “socos e chutes”, é um meio de vida e pode ser aplicado em toda e qualquer situação do cotidiano; seus princípios conduzem o praticante a ser simples, focado, objetivo e a otimizar o tempo, bem como produzir o máximo possível em um curto tempo.

Diferente do que estamos acostumados, aprender Wing Chun Kung Fu não depende só do desejo pessoal. Não basta dizer: ‘eu quero aprender Kung Fu’, e está resolvido. Antes de tudo, é preciso haver ligação entre o sifu (mestre) e o aluno. O Kung Fu é patrimônio de uma família, e para aprendê-lo (compreendê-lo) é necessário pertencer a ela e ter uma vivência em família Kung Fu. Na grande maioria das vezes, devido aos nossos costumes ocidentais, primeiro escolhemos a arte, para depois o mestre; isso não quer dizer que seja inválido, é uma forma de aproximação e também faz parte do aprendizado, mas quando o momento chega percebe-se que a família é tão quanto ou mais importante que o estilo.

Sendo assim, existem diversos caminhos para chegar a um objetivo, o universo das artes marciais e da família kung fu é um dos meios mais fascinantes e realizadores de se viver – formar novas amizades, conhecer e admirar novas pessoas, superar os próprios limites, ter mais autoconfiança, prevenir doenças, desenvolver estratégias para solucionar os problemas da vida, tudo isso e muito mais faz parte desde mundo das artes marciais.

Leandro Amaral Lopes - Médico generalista e da saúde da família, graduado pelo Instituto Metropolitano de Ensino Superior – MG. Empresário e praticante de Wing Chun Kung Fu.

As principais bases do Wing Chun

Assim como a construção de um edifício, o Wing Chun Kung Fu precisa de uma base de sustentação firme, bem alicerçada, de acordo com os princípios da física. Podemos dizer que o Wing Chun é composto somente de duas bases: uma matriz – Ji Zi Kim Joeng Maa 二字箝羊馬, e uma ramificada – Hau Maa 後馬. 

Ji Zi Kim Joeng Maa – a base matriz 

A primeira auxilia na importância das medidas, ângulos, distribuição de peso e desenvolvimento do focar. A segunda induz ao praticante a importância da transição, da distribuição do peso, do momento certo no deslocamento. É uma base para combate, para transportar armas como chutes, socos, cotoveladas, joelhadas, tapas, cabeçadas etc.

Pés na largura do ombro - A base matriz, aqui denominada Ji Zi Kim Joeng Maa, não pode ser nem muito larga, nem muito fechada. Muitas escolas admitem uma base larga. A escola de onde venho ensina uma base compatível com o próprio estudante, ou seja - deve medir, aproximadamente -, uma largura de ombro. A base é estruturada sobre um triângulo equilátero – três lados iguais de 60º - imaginário. Esta medida permite (quando necessária) a transição para a base ramificada (Hau Maa) sem perda de equilíbrio, nem desgaste físico além da medida. A rotação é feita tendo como eixo os calcanhares. Mas isso não significa que o resto do pé flutue.

Agarrar chão - Toda a planta do pé deve estar firme, agarrada ao solo. Os dedos devem fincar o chão no intuito de gerar energia que será canalizada pelas pernas, cintura e demais partes do corpo – perna, ombro, braço, cabeça.  

Baixar o centro de gravidade – Ao adotar a base Ji Zi Kim Joeng Maa, flexione os joelhos de tal modo que lhe permita ver – sem baixar a cabeça - a ponta dos seus pés. Com a flexão dos joelhos, os mesmos se aproximam um do outro. Não há a necessidade de tocar um ao outro, o ideal é manter a distancia de aproximadamente um punho entre eles.

Encaixar o quadril – O encaixe do quadril é de fundamental importância. Ao fazer isso, os músculos das nádegas e coxas são contraídos, dando mais firmeza, equilíbrio e segurança ao praticante, protegendo ainda, a região do cóccix; a coluna é alinhada e o fluxo de energia vital - 氣 Hei em cantonês, e Qi em mandarim – é facilitado.  

Ombros relaxados – Mantenha os punhos cerrados, ao lado do corpo, aproximadamente um dedo entre o corpo e o punho. Relaxe os ombros, nada de tensão. Tal processo pode levar um bom tempo até que seja compreendido e aplicado. Não confundir tensão com firmeza.

Língua no céu da boca – A colocação da língua no céu da boca permite que a energia flua com mais facilidade pelo corpo, produz saliva e evita que a língua fique solta dentro da boca.

Respirar naturalmente e focar o baixo ventre – A respiração não deve ser forçada. Deve ser natural, ritmada. Olhe para frente. Você pode focar o movimento [expandir e contrair] do baixo ventre.

Hau Maa – a base ramificada

OBS.: em breve!